Ontem foi um dia de fortes emoções. Essas começaram pela manhĂ£ na reuniĂ£o da
ComissĂ£o Estadual da Verdade, e depois com o secretĂ¡rio Hamilton Serighelli
sobre as questões relativas aos indĂgenas e suas perdas de direitos durante o
perĂodo da ditadura.
Na parte da tarde outro momento muito importante, em seu conteĂºdo
humano histĂ³rico, ocorreu no Sintracon (Sindicato dos Trabalhadores na
IndĂºstria da ConstruĂ§Ă£o Civil). A pauta do evento era o ato em comemoraĂ§Ă£o dos
34 anos da Greve de 1979. Um Movimento Social de maior magnitude na luta pela
derrubada da ditadura militar ocorrido aqui no ParanĂ¡. Os superexplorados
operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil deram seus gritos de BASTA!
Dentre os que estavam presentes no Ato alguns estiveram
participando desta luta grevista, tanto na greve como no ComitĂª de
Solidariedade. Dos que diretamente e indiretamente se envolveram com a greve estavam
presentes o Domingos de Oliveira Davide, atual presidente e grevista; o David
Pereira de Vasconcelos, atual tesoureiro e também grevista em 79; o Salvino,
tambĂ©m liderança grevista, e dos que foram parte do ComitĂª de Solidariedade o Narciso
Pires, o Paulo Drabik e eu, Carlos Molina.
VĂ¡rias autoridades e lideranças polĂticas
também estiveram presentes no Ato. Entre elas a Regina Cruz, presidente da
CUT/ParanĂ¡, Daniel Godoy, OAB/ParanĂ¡; Pedro Paulo, lĂder do prefeito na CĂ¢mara de Vereadores; JosĂ©
Calixto Ramos, presidente da Nova Central; Shirley Margareth Reis Branco, do
MP, Ivete CaribĂ©, da ComissĂ£o Estadual da Verdade, Kico, dirigente do Cebrapaz,
etc..
Em 1979 a vida dos trabalhadores na construĂ§Ă£o civil nĂ£o era
nada fĂ¡cil. Estes novos operĂ¡rios estavam chegando do campo, de onde foram
expulsos, tanto pro causa da geada de 1975 como pela forte entrada do
capitalismo no campo, na sua forma mais selvagem, trazendo a mecanizaĂ§Ă£o no
cultivo das lavouras. EstĂ¡ mudança no
modelo de produĂ§Ă£o agrĂ¡rio acabou por dispensar centenas de milhares de trabalhadores
rurais. Estes, jogados nas estradas, migraram para os grandes centros urbanos
atrĂ¡s de uma nova possibilidade de sobrevivĂªncia.
As grandes cidades, carentes de investimentos no campo do
social, nĂ£o estavam preparadas nem para as demandas sociais jĂ¡ existentes, com
a necessidade de novos investimentos pĂºblicos em habitaĂ§Ă£o para os de baixa
renda, Postos de SaĂºde, Escolas, saneamento, jĂ¡ que estĂ¡ agenda nĂ£o era
prioridade para os ditadores de plantĂ£o, explodiam em contradições.
Na Ă©poca Curitiba pejorativamente era chamada de “ovo de
polaco” (pĂªssanka). Os crĂticos ao modelo lernista de administraĂ§Ă£o diziam que
ela era “bonitinha e enfeitada por fora e podre por dentro”, jĂ¡ que enquanto o
centro e os bairros ricos recebia grandes investimentos em infraestruturas, e
em demais Ă¡reas elevando a qualidade de
vida para os seus moradores nas periferias o abandono era total na relaĂ§Ă£o
destas com o poder pĂºblico municipal.
Os camponeses expulsos da terra ao aqui chegarem a dezenas de
milhares foram morar nas Ă¡reas ocupadas a margem da margem, aqui se tornando os
pobres entre os pobres.
As Ă¡reas ocupadas por estes, nĂ£o por que queriam, mas sim por
falta de opções, eram as insalubres Ă¡reas de fundo de vale, as beiras de rios.
Os fazendeiros os expulsaram e as cidades nĂ£o estavam preparadas para receberem
estes dignos e pobres trabalhadores, e muito menos estes para estas por nĂ£o
estarem preparados para a novas vida urbana, cujo mercado de trabalho exigia
outros tipos de qualificações. Sem empregos e morando em locais imprĂ³prios
ainda foram flagelados pela fome, coisa que no campo nĂ£o sofreram.
Nem o direito ao amplo
horizonte na vida do campo nĂ£o se tinha mais. As terras que na vida agrĂ¡ria um
dia sonharam ter, sem que nunca a reforma agrĂ¡ria viesse a ocorrer ,se tornaram
realidade em alguns parcos metros quadrados onde foram construĂdos os seus
barracos, e embaixo destes Ă¡reas Ăºmidas de brejos parcamente aterrados. Os rios
dos banhos da infĂ¢ncia agora eram valetas a cĂ©u aberto desaguando em rios
transformados em esgoto.
Uma dos poucos setores da produĂ§Ă£o que aceitavam mĂ£o de obra
com menor qualificaĂ§Ă£o tĂ©cnica era o da construĂ§Ă£o civil.
Em massa estes desesperos foram para as portas das obras em
andamento na luta pela conquista de uma vaga, e pouco as conseguiam. Como a
oferta de mĂ£o de obra era grande o preço pago pela venda da força de trabalho desta era Ănfimo. Os
canteiros de obra eram verdadeiras senzalas, e nelas a vida nĂ£o valia nada.
Enquanto a classe mĂ©dia aguardava o seu direito a habitaĂ§Ă£o
na fila do Inocoop os que as construĂam nĂ£o tinham direito a um trabalho digno.
Estes operĂ¡rios, em grande parte, nĂ£o tinham direito ao registro em carteira, a
equipamentos de segurança, a uma alimentaĂ§Ă£o saudĂ¡vel, e seus alojamentos eram
insalubres, tanto como eram as favelas onde habitavam os que aqui mais tempo haviam aportado.
Na década de 70 ocorreram 1.575.566 acidentes de trabalho
registrados, mas se contabilizarmos os que nĂ£o foram registrados este nĂºmero
poderia facilmente ser dobrado. Nas cidades, grande parte deste, talvez a maior
parte, ocorreu nos canteiros de obras.
A situaĂ§Ă£o destes dignos, mas humilhados e maltratados
trabalhadores era insuportĂ¡vel, o desespero pela fome, mĂ¡s condições de
trabalho, etc. batiam nas portas de suas casas e alojamentos precĂ¡rios.
Nos bairros estes trabalhadores da construĂ§Ă£o civil estavam
organizados nas Associações de Moradores, instrumento de luta tanto pela
manutenĂ§Ă£o da posse dos terrenos, como pela melhoria da qualidade de vida. Pelo
paĂs a fora a luta sindical, com o carĂ¡ter polĂtico econĂ´mico explodia paĂs a
fora. Primeiro os servidores pĂºblicos, principalmente os professores, começaram
a partir de 1978 começaram ir as ruas, como tambĂ©m os operĂ¡rios metalĂºrgicos.
Nas demais categorias de trabalhadores o sentimento de ir Ă s ruas eram os mesmos.
Os trabalhadores, acuados pela miserabilidade presente no ar,
reagiam contra a polĂtica econĂ´mica trabalhista imposta pelo governo
ditatorial, nela “sĂ³ os patrões tinham direitos”. Nem ao menos os sagrados
direitos Ă organizaĂ§Ă£o, manifestaĂ§Ă£o e expressĂ£o eram permitidos, quanto mais o
direito a greve. A repressĂ£o intensa por parte do estado ditatorial, a serviço
do patronato, fazia com que o terror imperasse e desse o tom na relaĂ§Ă£o
capital x trabalho. Ir as ruas era um
grande risco, mas o povo se sentindo oprimido, acuado, foi, jĂ¡ que a situaĂ§Ă£o
de vida estava insuportĂ¡vel.
Em um determinado dia duas bravas trabalhadoras na limpeza de
uma obra aqui em Curitiba ficaram revoltadas com os descontos ilegais feitas
nos seus contracheques, como pelo nĂ£o pagamento de horas extras. Os ganhos
destes trabalhadores na indĂºstria de construĂ§Ă£o jĂ¡ eram mĂnimos, mas mesmo
assim as criminosas ganĂ¢ncias dos patrões os deixavam ainda menores. A penĂºria
era tĂ£o grande que estes operĂ¡rios, mesmo quando tinha o direito Ă s carteiras
assinadas sentiam vergonha de mostrarem os contra cheques com seus parcos
valores.
Estas corajosas mulheres foram em busca do sindicato e lĂ¡ a
porta se fechou nas suas faces, pois o sindicato que deveria defender os seus
direitos estava sendo controlado pelos pelegos, a serviço dos interesses dos
patrões. Revoltadas com as injustiças e se sentindo desamparadas elas voltaram
ao canteiro de obra e conseguiram sensibilizar e mobilizar os demais operĂ¡rios.
A greve eclodiu no canteiro, sendo um rastilho aceso, e a greve geral explodiu
por toda a capital e metropolitana.
Alguns “doutos” academicamente afirmam que aquela greve foi
espontĂ¢nea, ledo engano. Embora o inĂcio dela tenha se dado nĂ£o como fruto da
organizaĂ§Ă£o sindical e sim pela aĂ§Ă£o de alguns operĂ¡rios a sequĂªncia dela nĂ£o.
As Associações de Moradores estavam bem organizadas e grande parte das
diretorias destas era formadas por operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil mais
politizados. Estes dirigentes das comunidades passavam por um forte processo de
discussĂ£o, politizaĂ§Ă£o e organizaĂ§Ă£o com setores organizados da sociedade
civil, entre eles as CEBs, partidos polĂticos de esquerda, como junto a
entidades da sociedade civil, entre estas a ADITEPP (AssociaĂ§Ă£o Difusora de
Treinamentos e Projetos PedagĂ³gicos), que tinha iniciado as suas atividades a
partir de 1972, com seus membros sendo em grande parte oriundos de setores
progressistas da Igreja, e de outros segmentos também progressistas da
intelectualidade, mas ligados ao campo marxista e ao da social democracia. A ADITEPP
levou a alfabetizaĂ§Ă£o pelo mĂ©todo libertĂ¡rio do Paulo Freire para toda a
periferia, e por ele ensinava o povo a se organizar.
Os agrupamentos partidĂ¡rios marxistas, embora com menor
intensidade do que a Igreja Progressista (Teologia da LibertaĂ§Ă£o) com seu
trabalho via a CEBs, jĂ¡ que a perseguiĂ§Ă£o sobre estes era ainda maior, tambĂ©m
contribuiu muito com a organizaĂ§Ă£o comunitĂ¡ria nesses bairros populares. Entre
estas organizações podemos citar o PC do B, o PCB e o MR-8, como os ex-membros
da AP, da APML, do PCBR, e os membros do MEP e da OSI, etc., sendo que estes
Ăºltimos grupos relacionados junto com a Igreja Progressista depois deu origem
ao PT.
Outras experiĂªncias interessantes no campo da educaĂ§Ă£o e
organizaĂ§Ă£o popular foram as escolas Oca e Oficina, que adotando as
metodologias de Piaget e Vigotski cumpriram papel semelhante ao da Aditepp, mas
sofrendo uma perseguiĂ§Ă£o maior por nelas estarem envolvidos ex-presos
polĂticos. Em 1978 a PolĂcia Federal prendeu 11 intelectuais ligados Ă s escolas
Oca e Oficina.
ApĂ³s as prisões, em nota oficial Ă imprensa, a PF, sem mencionar
quem havia sido detido, disse: "...as escolas vinham doutrinando crianças
dentro de princĂpios marxistas, desenvolvendo lhes uma visĂ£o materialista e
dialĂ©tica do mundo, incutindo nelas a negaĂ§Ă£o de valores como a religiĂ£o, a famĂlia
e a tradiĂ§Ă£o histĂ³rica".
Com base no artigo 59 da Lei de Segurança Nacional os 11detidos
permaneceram incomunicĂ¡veis por vĂ¡rios dias. Foram presos os ex-integrantes da
AP: Luis Alberto Manfredini , Walmor Marcelino, Reinoldo Atem, Sueli Atem, LĂ©o Kessel, Paulo de Albuquerque SĂ¡ Brito, EdĂ©sio
Passos, alĂ©m de sociĂ³logos, pedagogos, funcionĂ¡rios e ex-funcionĂ¡rios do
Ipardes e Ippuc.
Neste mesmo ano de 1978 os estudantes da Federal e da PUC
começaram a reorganizar o Movimento Estudantil, e os da Federal ocuparam a
reitoria, o que causou a prisĂ£o de vĂ¡rios estudantes. A Juracilda, estudante da
PUC, foi sequestrada pelos Ă³rgĂ£os de segurança e repressĂ£o. Ela sofreu
torturas, choques elĂ©tricos, ameaças e foi submetida a 10 interrogatĂ³rios em
uma cela especial, sempre encapuzada para nĂ£o reconhecer seus algozes. Por
causa da mobilizaĂ§Ă£o e pressĂ£o da sociedade ela foi libertada em uma estrada
perto de Registro. Os estudantes também interviram neste trabalho de
conscientizaĂ§Ă£o desenvolvido junto Ă populaĂ§Ă£o da periferia, e a Juracilda
tinha uma forte atuaĂ§Ă£o na comunidade do Bairro Alto.
Em 1978 os professore da rede pĂºblica estadual tambĂ©m
realizaram sua greve, e estes estavam enraizados nas periferias da capital,
sendo, portanto, outro importante exemplo par aas outras categorias
profissionais, inclusive para os operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil.
EntĂ£o vender a imagem de que este movimento grevista dos
operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil foi espontĂ¢neo Ă© uma falĂ¡cia. Embora de forma
semiclandestina o debate polĂtico e organizacional existiu, e com intensidade
por toda a periferia de Curitiba, local de moradia dos mesmos. As sedes das Associações
de Moradores e demais entidades abrigadas na periferia haviam se tornado salas
de aula para o povo aprender o que era a cidadania, e assim aos poucos ia sendo
resgatado o sentimento popular de nacionalidade.
Todos estes setores organizados, dando um grande destaque a
aĂ§Ă£o da Igreja Progressista, que acolheu o Movimento Grevista na Igreja do
Guadalupe e em parĂ³quias da periferia, sendo um grande exemplo a ParĂ³quia da
Vila Santa AmĂ©lia, comandada pelo padre irlandĂªs John Clark, o a parĂ³quia da
vila Nossa Senhora da Luz comandada pelo padre Antonino, e nos seminĂ¡rios, tal
qual os dos combonianos no Cajuru.
Por causa de suas ações em defesa dos pobres o padre John
Clark sofre um atentado e foi caluniado pelos agentes da repressĂ£o infiltrados
na sua comunidade.
Outro religioso que nunca poderĂ¡ ser esquecido por sua importante
luta em defesa dos mais carentes Ă© o saudoso bispo Dom Ladislau Biernask. Ele
na Ă©poca era o dirigente mĂ¡ximo das pastorais sociais, entre elas a OperĂ¡ria e
a da Terra.
Com o andar da greve, que durou mais de 20 dias, todos os
segmentos sociais progressistas, jĂ¡ abrigados no ComitĂª Brasileiro pela
Anistia, fundaram o ComitĂª de Solidariedade aos Trabalhadores em Greve, e estes
em conjunto com as lideranças dos trabalhadores conseguiu qu a mesma tivesse
apoio polĂtico e econĂ´mico, e o principal, que a mesma nĂ£o ficasse isolada, jĂ¡
que a repressĂ£o a estĂ¡ luta estava sendo violenta.
Na APP e na Igreja do Guadalupe, lugares que serviram de para
as reuniões de apoio, sendo que na Igreja do Guadalupe foi também montada a
base para a distribuiĂ§Ă£o de alimentos , funcionou o grupo, jĂ¡ incorporado pela
presença de vĂ¡rios parlamentares, entre eles Nelton, Waldir, Gernote, Darcy,
etc., que intermediou o conflito para que a situaĂ§Ă£o de risco pela repressĂ£o do
estado por cima destes trabalhadores
ainda nĂ£o fosse maior do que foi. Centenas de operĂ¡rios e simpatizantes do
Movimento Grevista foram espancados, detidos e fichados.
Com certeza estĂ¡ luta popular foi a de maior intensidade jĂ¡
ocorrida em Curitiba, ao mais de 15 mil operĂ¡rios terem aderido Ă greve, e
estes em busca da Justiça, sitiaram o centro de nossa capital, sendo reprimidos
por milhares de policias civis e militares.
NĂ£o podemos esquecer de que quem ordenou a repressĂ£o foi o governador
general Ney Braga e o o general Adalberto Massa , na Ă©poca delegado Regional do
Trabalho.
Quero encerrar este meu testemunho citando algumas importantes
lideranças populares comunitĂ¡rias neste perĂodo, que de uma forma ou de outra
contribuĂram para o sucesso deste movimento paredista: Pedro Chaves, Jairo
Graminho, Barbosa, Cesar Pelosi, Nagib, Altamirando, Luis, Nascimento,
Benedito, HĂ©lio CagĂ©, ElĂ³i, Brito, Diogo, CearĂ¡, Valentim, Fifi, OtĂ¡vio,
Moacir, Antonio, Joaquim Paiva, JoĂ£o, entre tantos outros, sendo que vĂ¡rios
destes eram operĂ¡rios da construĂ§Ă£o civil e depois ajudaram na retomada do Sindicato
das mĂ£os dos pelegos, sendo que alguns vieram a fazer parte da diretoria.
Entre os intelectuais e estudantes nĂ£o podemos esquecer-nos
de EdĂ©sio Passos, ClĂ¡udio Ribeiro, FĂ¡bio Campana, Moacir Ferraz, Salvador, Manoel, Claus Germer, Wagner D’angelis, professor Romeu, Geraldo Serathiuk, Vitor Moreschi, ClĂ¡udio Fajardo, Carlos Gonzaga, Angelo Vanhoni, Cecatto, do MĂ¡rio
Leal, do Makoto, do Tohoru, Ildeu Manso, do JĂºlio Manso, do Cafuringa, etc., entre tantos outros.
ParabĂ©ns a direĂ§Ă£o do FĂ³rum Paranaense de Resgate da Verdade, MemĂ³ria e Justiça, no Ato representado pelo Milton e o SalomĂ£o, pela realizaĂ§Ă£o do mesmo.