CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA - 8 DE MARÇO DE 2012
Valéria Bassetti Prochmann
ExcelentĂssimas autoridades:
Vereadoras Julieta Reis – que me dignifica com esta homenagem, a quem muito honrada agradeço -, Professora Josete, Dona Lourdes, Renata Bueno, NoĂªmia Rocha e Nely Almeida, em nome das quais cumprimento todos os vereadores que prestigiam esta sessĂ£o especial;
Dignos representantes de entidades comunitĂ¡rias jĂ¡ nominados;
Companheiras de homenagem Angela, CecĂlia, Dayana, Dirce, Dora, Elaine, Eliana, Erika, Florlinda, Hedy, Isabel, Izabel, Jane, Janete, Liana, Loide, Lucimara, Mara, Michely, Regina, Rita de CĂ¡ssia, Rosa, Roseli, Solange, Sonia, Terezinha e Terry – mulheres com significativa presença em nossa sociedade, o que dĂ¡ a dimensĂ£o da minha responsabilidade ao aqui representĂ¡-las.
Senhoras e Senhores:
8 de Março Ă© mundialmente celebrado como Dia Internacional da Mulher. Segundo o registro tradicional, a data faz alusĂ£o ao sacrifĂcio de 129 operĂ¡rias que protestaram contra condições de trabalho indignas e morreram num incĂªndio criminoso, em 1857, em Nova York. Segundo versĂ£o alternativa, tal incĂªndio ocorreu em 25 de março de 1911 na fĂ¡brica tĂªxtil Triangle Shirtwaist Company, vitimando 146 pessoas, das quais 123 mulheres. O fato contribuiu decisivamente para a melhoria das condições de segurança do trabalho. Pesquisas alternativas sugerem ainda que a data remete a uma manifestaĂ§Ă£o de milhares de mulheres ocorrida em Petrogrado, RĂºssia, em 1917, em protesto contra a escassez e os altos preços dos alimentos, que culminou com a adesĂ£o dos soldados. A verdade histĂ³rica Ă© que a data celebra o protagonismo de mulheres em ações organizadas de carĂ¡ter coletivo como fato social, polĂtico e cultural significativo. Tal protagonismo tomou impulso apĂ³s as duas Grandes Guerras Mundiais, quando as mulheres assumiram os postos de trabalho e o sustento dos lares. Os movimentos de mulheres determinaram importantes transformações comportamentais ocorridas no sĂ©culo 20 em todo o mundo.
Em 1910, a feminista alemĂ£ Clara Zetkin propĂ´s o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora num congresso em Copenhage, Dinamarca, com foco no direito ao voto. No Brasil, a organizaĂ§Ă£o de mulheres como fenĂ´meno social teve inĂcio no final do SĂ©culo 19 pelo direito de estudar e tomou vulto nos anos 30, com o chamado movimento sufragista que culminou com a conquista do direito ao voto em 1932.
Em 1975 a OrganizaĂ§Ă£o das Nações Unidas estabeleceu o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher. Foi precisamente nesse ano – quando eu tinha 9 anos de idade – que o tema despertou minha atenĂ§Ă£o, numa aula sobre o Ano Internacional da Mulher. A partir daĂ, minha histĂ³ria pessoal mesclou-se com as lutas democrĂ¡ticas e femininas, no contexto dos regimes militares que no Brasil e em paĂses vizinhos da AmĂ©rica Latina impediam em nações inteiras o exercĂcio da cidadania e da democracia e oprimiam brutalmente suas populações. Destaco a intensa participaĂ§Ă£o feminina nos movimentos contra a carestia, nos comitĂªs pela Anistia em 1979, nas eleições diretas dos governadores oposicionistas em 1982 e na campanha das Diretas que inundou o paĂs de verde e amarelo em 1984. Foi nesta Ă©poca que os governadores eleitos Franco Montoro em SĂ£o Paulo, Tancredo Neves em Minas Gerais e JosĂ© Richa no ParanĂ¡ criaram os primeiros conselhos estaduais da condiĂ§Ă£o feminina - Ă³rgĂ£os de Estado empenhados na promoĂ§Ă£o da cidadania da mulher – e as delegacias da mulher – que tiraram a violĂªncia domĂ©stica do contexto intramuros. Estivemos presentes e fomos partĂcipes do primeiro comĂcio brasileiro realizado em 12 de janeiro de 1984 em Curitiba e na caravana que levou a campanha a 44 municĂpios paranaenses. Em cada um deles, reunĂamos as mulheres mobilizadas, que escolhiam uma representante para falar em seu nome. Quando algum cacique polĂtico tentava impedir a fala feminina, o cantor Wando – que nos acompanhava – se recusava a cantar, garantindo assim a nossa representaĂ§Ă£o nos palanques. Fomos tambĂ©m Ă tomada do Congresso Nacional em BrasĂlia a uma semana da votaĂ§Ă£o da emenda Dante de Oliveira que restabeleceria as eleições diretas para presidente – fizemos um comĂcio em pleno voo e tambĂ©m uma vigĂlia na Assembleia Legislativa do ParanĂ¡, junto com todo o Brasil, na noite que antecedeu a sua derrota na votaĂ§Ă£o. A maioria de nĂ³s houve por bem entĂ£o reunir-se Ă campanha intitulada Nova RepĂºblica para eleger Tancredo Neves no colĂ©gio eleitoral a fim de reconquistar a democracia perdida. No governo de transiĂ§Ă£o, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, presidido por Jaqueline Pitanguy, que liderou as mulheres brasileiras no processo da Assembleia Nacional Constituinte.
Este foi o mais importante capĂtulo da luta feminina por cidadania na histĂ³ria brasileira recente. Importa relembrar para as mais maduras como eu e contar Ă s mais jovens aqui presentes o panorama de injustiça no qual vivia a mulher brasileira naquela Ă©poca.
Ao marido cabia a chefia da sociedade conjugal, incluindo o pĂ¡trio poder, a decisĂ£o sobre o domicĂlio da famĂlia e o direito de devolver aos pais a esposa que nĂ£o fosse virgem ao se casar. Ă€ mulher, restava obedecer, pois era considerada parcialmente incapaz pela legislaĂ§Ă£o civil, que empregava a expressĂ£o "mulher honesta" para referir-se Ă conduta sexual feminina. MĂ£e que nĂ£o tivesse marido era qualificada como "mĂ£e solteira" e filhos nascidos de relações fora do casamento eram chamados de "ilegĂtimos", sem direitos hereditĂ¡rios. AnĂºncios de empregos continham expressamente "sexo masculino" e quando dirigidos a mulheres, nĂ£o raro a expressĂ£o discriminatĂ³ria "boa aparĂªncia". Editais de concursos pĂºblicos tambĂ©m eram dirigidos ao sexo masculino – e foram precisas muitas ações na Justiça empreendidas pelo MinistĂ©rio PĂºblico para que as mulheres pudessem, por exemplo, prestar concursos nas polĂcias civil e militar, cursar as academias, receber seus diplomas e assumir seus postos e cargos plenamente. AlĂ©m de oferecerem salĂ¡rios muito inferiores, empresas costumavam exigir testes de nĂ£o-gravidez e atĂ© de esterilidade para empregar mulheres, chegando ao cĂºmulo de promover verificações do perĂodo menstrual de suas empregadas.
Em 1986, quando foi eleito o Congresso Constituinte, tive a honra de ser a primeira mulher eleita presidente da UPE – UniĂ£o Paranaense dos Estudantes, em eleições diretas. Integrante do Conselho Estadual da CondiĂ§Ă£o Feminina do ParanĂ¡ desde sua fundaĂ§Ă£o, atuei junto com muitas bravas brasileiras no chamado lobby do batom. E foi assim que a ConstituiĂ§Ă£o promulgada em 1988 vedou expressamente toda e qualquer forma de discriminaĂ§Ă£o sexual; conferiu Ă mulher igualdade de status na chefia da sociedade conjugal e no pĂ¡trio poder; assegurou a proteĂ§Ă£o do estado e da sociedade Ă uniĂ£o estĂ¡vel - equiparada ao casamento - e Ă entidade familiar formada por um dos pais e seus descendentes; equiparou os direitos dos filhos em qualquer situaĂ§Ă£o jurĂdica parental; ampliou a licença-maternidade para 120 dias e instituiu a licença-paternidade; assegurou o direito da mulher Ă assistĂªncia integral Ă sua saĂºde em todas as fases de sua vida, inclusive ao planejamento familiar com informaĂ§Ă£o e meios proporcionados pelos serviços de saĂºde pĂºblica.
Com base na entĂ£o nova ConstituiĂ§Ă£o Federal, foram elaboradas as novas Constituições estaduais e pudemos questionar juridicamente todos os atos discriminatĂ³rios que descrevi. O mais emblemĂ¡tico para mim foi a revogaĂ§Ă£o de uma puniĂ§Ă£o aplicada pelo Comando da Capital da PolĂcia Militar do Estado do ParanĂ¡ a cinco policiais femininas por terem engravidado sendo solteiras, o que contrariava uma diretriz interna da corporaĂ§Ă£o. Com ampla repercussĂ£o na mĂdia nacional e junto a entidades de direitos humanos e civis internacionais, nosso questionamento levou o Governo do ParanĂ¡ e revogar a puniĂ§Ă£o e a diretriz discriminatĂ³ria. NĂ£o foram poucos os julgamentos a que assistimos, como representantes do Conselho Estadual da CondiĂ§Ă£o Feminina, no Tribunal do JĂºri para que assassinos de mulheres passassem a ser condenados por seus atos criminosos, pondo em desuso a velha tese da "defesa da honra" que costumava livrĂ¡-los das penas.
Neste SĂ©culo 21, constatamos e vivenciamos felizes a nova situaĂ§Ă£o da mulher e sua presença cada vez mais significativa na cultura, nos negĂ³cios, nas ciĂªncias, na educaĂ§Ă£o, nas profissões, nos esportes, nos serviços pĂºblicos, na polĂtica – tudo isso sem reduzir sua importĂ¢ncia no Ă¢mbito familiar e seu privilĂ©gio natural de ser mĂ£e. É uma imensa contribuiĂ§Ă£o para a riqueza das nações!
SenĂ£o vejamos:
Segundo o IBGE, 42% dos trabalhadores do mercado formal e 35% dos chefes de lares. Segundo o Sebrae, 45% dos empreendedores individuais. Segundo o Dieese, 40% dos sindicalizados. Segundo o TSE, 51% do eleitorado. E ainda 20% dos cargos de direĂ§Ă£o nas empresas e 89% das pessoas que atuam em voluntariado. Segundo Gilberto Dimenstein, 41% da renda da classe C resulta do trabalho feminino. Segundo Contardo Calligaris, nas periferias e nas favelas, os nĂºcleos familiares estĂ¡veis se organizam ao redor de mulheres. Segundo a revista Claudia, "os garotos que nos perdoem, mas quem manda na internet sĂ£o as menin@s" – o que o especialista em tendĂªncias sociais Mark Penn qualifica como "Tech Fatales" devido Ă habilidade feminina para conexões.
Por influĂªncia de Ruth Cardoso, referĂªncia do movimento feminista, hĂ¡ muitos anos o governo brasileiro deposita nas mĂ£os femininas os recursos financeiros de auxĂlios sociais, pois sĂ£o assim melhor empregados com melhores resultados.
As mulheres assumiram profissões e ocupações antes impensadas. Muitas empresas vĂªm dando preferĂªncia Ă contrataĂ§Ă£o de mulheres, cujo modo de trabalhar passou a ser enaltecido por consultores. Boa parte da iniciativa privada contemporĂ¢nea preocupa-se em ter mulheres nos seus quadros, inclusive nas funções executivas. Na polĂtica, cada vez mais temos vereadoras, prefeitas, deputadas, senadoras, ministras e atĂ© a presidente da RepĂºblica. No Ă¢mbito da Justiça, promotoras, procuradoras, juĂzas e ministras dos tribunais superiores. Ontem mesmo a ministra Carmen LĂºcia tornou-se a primeira mulher a presidir o TSE – Tribunal Superior Eleitoral. A presença da mulher tambĂ©m Ă© expressiva no mercado informal, como ambulantes e carrinheiras. Na educaĂ§Ă£o, a mulher jĂ¡ Ă© maioria em muitos cursos em todos os nĂveis e frequentemente ocupa o primeiro lugar da turma. Dados do IBGE indicam que 28% das mulheres tĂªm mais de 11 anos de escolaridade, enquanto o percentual Ă© de 19% para os homens.
As transformações foram profundas, mas ainda Ă© preciso aperfeiçoar estruturas e polĂticas ainda sexistas, racistas e excludentes que constituem uma perversa realidade e mantĂªm a mulher em condiĂ§Ă£o de vulnerabilidade.
Temos que sobreviver ao que a procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf chama de femicĂdio, protagonizado em 66% dos casos por parceiros afetivos, surpreendentemente em todas as faixas etĂ¡rias. É preciso denunciar e reduzir drasticamente todas as formas de violĂªncia contra a mulher – inclusive a verbal -, com destaque para a educaĂ§Ă£o e o papel da famĂlia, da escola, do estado, do ambiente de trabalho e da mĂdia; e com necessidade de apoio e amparo social efetivo Ă s vĂtimas e puniĂ§Ă£o de acordo com o estado de direito, com destaque para a Lei Maria da Penha – um marco importante na defesa da integridade fĂsica e moral da mulher. No Ă¢mbito internacional, Ă© preciso adotar sanções contra as formas vis de violĂªncia sofridas por mulheres em todas as nações, de que sĂ£o exemplos mais gritantes as regras de conduta e penalidades impostas nas teocracias.
No campo da saĂºde, Ă© mister melhorar a nota da saĂºde pĂºblica brasileira – mĂ©dia de 5,4% - para beneficiar a populaĂ§Ă£o feminina com a devida assistĂªncia, pois ainda sĂ£o muito elevados os Ăndices de mortalidade materna, cĂ¢nceres do aparelho reprodutor e de mama, entre outras enfermidades tĂpicas da condiĂ§Ă£o da mulher. No campo da educaĂ§Ă£o, Ă© preciso combater os estereĂ³tipos e promover o respeito Ă dignidade humana e Ă diversidade como valor. Na cultura, Ă© preciso promover o acesso Ă produĂ§Ă£o e Ă fruiĂ§Ă£o dos bens culturais, bem como a ampliaĂ§Ă£o do repertĂ³rio cultural feminino.
O repĂºdio Ă desigualdade e ao preconceito passa pela igualdade salarial, pela inclusĂ£o social, pelo combate ao estereĂ³tipo dos padrões de beleza e pela promoĂ§Ă£o do empoderamento feminino. Segundo o Banco Mundial, os indicadores de desenvolvimento econĂ´mico e de honestidade na gestĂ£o de recursos pĂºblicos melhoram onde a mulher tem mais acesso Ă educaĂ§Ă£o e ao poder.
É por isso que - ao encerrar a minha fala - proponho aos senhores edis que uma mulher seja a prĂ³xima presidente da CĂ¢mara Municipal de Curitiba. Sim, senhores vereadores e senhoras vereadoras, elejam uma mulher presidente e permitam a esta Casa de Leis a oportunidade de experimentar um estilo feminino de administrar: eficiente, dinĂ¢mico, humanista, sustentĂ¡vel, criativo, calcado em diĂ¡logo, cooperaĂ§Ă£o, entendimento, seriedade, integridade e sensibilidade.
Considero a vereadora Julieta Reis plenamente capaz para assumir essa nobre missĂ£o, com sua respeitĂ¡vel carreira polĂtica, sua liderança e sua dedicaĂ§Ă£o Ă funĂ§Ă£o pĂºblica, motivo pelo qual espero sinceramente que ela venha a ser a primeira mulher a presidir a nossa CĂ¢mara Municipal! Eis a melhor forma de homenagear as mulheres que nasceram, trabalham, mantĂªm famĂlias e vivem em Curitiba!
Amigas queridas, minha famĂlia – mĂ£e Alzeli, irmĂ£s ValquĂria e Viviane, sobrinhas Victoria e Fernanda e sobrinhos Henrique e Thiago, meu marido Paulino e a todos os presentes, muito obrigada pela atenĂ§Ă£o.