AE/Editorial
A acusaĂ§Ă£o do presidente da RepĂºblica de que a Imprensa "se comporta como um partido polĂtico" Ă© obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hĂ¡bito de perder a compostura quando Ă© contrariado, tem tambĂ©m todo o direito de nĂ£o estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os Ă³rgĂ£os de imprensa, tem dado Ă escandalosa deterioraĂ§Ă£o moral do governo que preside. E muito menos lhe serĂ£o agradĂ¡veis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta pĂ¡gina editorial. Mas ele estĂ¡ enganado. HĂ¡ uma enorme diferença entre "se comportar como um partido polĂtico" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estĂ£o em jogo valores essenciais ao aprimoramento se nĂ£o Ă prĂ³pria sobrevivĂªncia da democracia neste paĂs.
Com todo o peso da responsabilidade Ă qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de JosĂ© Serra Ă PresidĂªncia da RepĂºblica, e nĂ£o apenas pelos mĂ©ritos do candidato, por seu currĂculo exemplar de homem pĂºblico e pelo que ele pode representar para a reconduĂ§Ă£o do PaĂs ao desenvolvimento econĂ´mico e social pautado por valores Ă©ticos. O apoio deve-se tambĂ©m Ă convicĂ§Ă£o de que o candidato Serra Ă© o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o PaĂs.
Efetivamente, nĂ£o bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhaĂ§Ă£o de que a Imprensa denuncia a corrupĂ§Ă£o que degrada seu governo por motivos partidĂ¡rios. O presidente Lula tem, como se vĂª, outro mau hĂ¡bito: julgar os outros por si. Quem age em funĂ§Ă£o de interesse partidĂ¡rio Ă© quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facĂ§Ă£o que tanto mais sectĂ¡ria se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem Ă© o responsĂ¡vel pela invenĂ§Ă£o de uma candidata para representĂ¡-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefĂ£o e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tĂ£o grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estarĂ¡ em jogo, no dia 3 de outubro, nĂ£o Ă© apenas a continuidade de um projeto de crescimento econĂ´mico com a distribuiĂ§Ă£o de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e tĂªm condições de fazer. O que o eleitor decidirĂ¡ de mais importante Ă© se deixarĂ¡ a mĂ¡quina do Estado nas mĂ£os de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa sĂ³, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facĂ§Ă£o.
NĂ£o precisava ser assim. Luiz InĂ¡cio Lula da Silva estĂ¡ chegando ao final de seus dois mandatos com nĂveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleraĂ§Ă£o da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econĂ´mico quanto na ampliaĂ§Ă£o dos programas que tĂªm permitido a incorporaĂ§Ă£o de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatĂveis com as exigĂªncias da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e Ă© hoje, sem sombra de dĂºvida, um paĂs melhor. Mas essa Ă© uma obra incompleta. Pior, uma construĂ§Ă£o que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstruĂ§Ă£o de um edifĂcio institucional democrĂ¡tico historicamente frĂ¡gil no Brasil, mas indispensĂ¡vel para a consolidaĂ§Ă£o, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e nĂ£o mero objeto.
Se a polĂtica Ă© a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precĂpuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espĂºrias, corrupĂ§Ă£o dos agentes polĂticos, trĂ¡fico de influĂªncia, mistificaĂ§Ă£o e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e Ă autoglorificaĂ§Ă£o? Este Ă© o "cara". Esta Ă© a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este Ă© o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que nĂ£o eu?" Este Ă© o mal a evitar.